Transformações na tela

Há poucos dias, fiz um grande passeio pelo Brasil através de 20 curtas do projeto Nós na Tela. De Lábrea, na selva Amazônica, a Londrina, no Paraná, passando por Tocantins, Piaçabuçu (AL), Ilhéus (BA), Recife e outros tantos municípios, conheci projetos bacanas de inserção social e cultural, topei com alguns vídeos bem críticos, outros com cara mais “institucional”.

Os curtas, todos com duração de 15 minutos, foram realizados por jovens egressos de oficinas audiovisuais e tiveram seus projetos selecionados no Concurso de Apoio à Produção de Obras Audiovisuais Digitais Inéditas de Curta Metragem, nos Gêneros Documentário ou Telerreportagem, sobre o tema “Cultura e Transformação Social” – Nós na Tela. Uma oficina específica ajudou a preparar as produções. Todos os curtas foram exibidos quarta e quinta na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Quinta à noite aconteceu a cerimônia de premiação, conforme escolha de um júri composto pelos críticos Daniel Caetano, Rodrigo Fonseca e este que vos fala.

Vila das Torres

O primeiro lugar, aquinhoado com um prêmio de 15 mil reais, foi do paranaense Vila das Torres 2014, de Willian Coutinho Duarte, Lúcia Pego dos Santos, Marta Pego dos Santos e Bruno Mancuso. Destacado pelos três jurados, o doc tem um roteiro muito bem articulado em torno do passado, presente e futuro de um bairro carente que destoa da paisagem organizada e asséptica de Curitiba (“uma cicatriz no rosto da Cidade-Sorriso”, como diz alguém). Moradores de Vila das Torres narram as origens da comunidade e o desenvolvimento espontâneo de uma cultura do futebol no local. Especulam também sobre o destino do bairro nos preparativos para a Copa de 2014, que terá jogos em Curitiba. É um trabalho crítico, que não se furta a ironias sobre a elite e a administração pública da cidade, mas o faz de maneira orgânica, sem panfletarismo. Tem tudo para percorrer o país em festivais.

Outro curta com poder de fogo é Arquitetura da Exclusão, de Adelvan de Lima, que ficou com o segundo lugar e um prêmio de 10 mil reais. O projeto é paulista, mas se refere ao muro construído em torno da favela Dona Marta e às UPPs cariocas. A pergunta “O Haiti é aqui?” serve de mote performático para um questionamento dos objetivos do tal muro (proteção ecológica ou encarceramento da comunidade?) e de uma certa visão idealista das UPPs. A própria equipe passa por uma batida policial antes de retirar dos guardas bons depoimentos sobre seu treinamento e porte de armas. Pode ser visto como um hors d’oeuvre para o doc que está sendo produzido por Cacá Diegues sobre esse tema.

O terceiro lugar (5 mil reais) foi para Quenda, de Warlem Machado, um esperto perfil de três meninos gays que frequentam a noite do Rio. Eles contam como vivem e veem a si próprios, além das circunstâncias em que saíram do armário perante suas famílias. Embora o tema do outing seja gasto, as particularidades e a franqueza dos personagens garantem a personalidade do filme, que busca uma linguagem afinada com o comportamento e o ambiente retratados.

Havia outros curtas dignos de menção, como o breve apanhado da nova geração do hip hop paulista, exoticamente intitulado Disseminando Ideias e Influenciando Pessoas. Este curta de Felipe Rodrigues era um dos meus preferidos, tanto pelo charme e a graça da confecção, quanto pela forma como se aproxima dos métodos caseiros de trabalho do rapper e produtor musical Emicida. Também apreciei especialmente os santistas BNH 001, de Aline Assis (discussão dos efeitos da construção de um shopping no primeiro projeto de conjunto residencial do antigo BNH) e Aloha, de Paula Luana Maia dos Santos e Nildo Ferreira (sobre surfistas portadores de deficiências físicas). E ainda o amazonense Paumari na Cidade, de Eugênio Paumari e Sérgio Lobato, que mostra jovens índios escapando do tráfico pelo caminho do aprofundamento étnico; e Cinema de Bolso, de Alan Russel (Tocantins), abordagem em alto astral de um projeto de formação audiovisual com celulares e câmeras fotográficas.

O Nós na Tela é mais uma iniciativa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura que vem semeando a expressão autóctone pelos quatro cantos do país durante o governo Lula. Em breve, os 20 curtas integrarão a série televisiva Nós na Tela, dirigida por Francisco César Filho, que organiza todo o projeto. Cada programa de meia-hora incluirá um curta, cenas de making of, entrevista com o(s) diretor(es) e uma breve reportagem sobre a comunidade onde foi produzido. A série será veiculada pelas emissoras ligadas à Associação Brasileira de Canais Comunitários – ABCCom e em outros canais do sistemas público e estatal.        

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