Fantasmas de Tsai Ming-Liang

O CCBB-Rio reprisa nesta quarta (1/12) o inédito Face/Visage, na Mostra Tsai Ming-Liang. Os fãs do diretor taiwanês vão encontrar muitos traços do seu cinema, mas também a evidência de que tudo aquilo já foi feito bem melhor em outros trabalhos. Não faltam imagens belas e à primeira vista intrigantes a essa diluição afetada do universo e do estilo de TM-L. Aqui, sua estética pessoal convive ora com a instalação de museu, ora com o editorial de moda ou com a simples impostação de uma iconografia homoerótica.   

Como aparente contrapartida ao copatrocínio do Museu do Louvre – este é o Opus I da série “O Louvre se oferece aos cineastas” –, TM-L faz uma homenagem ao cinema francês, especialmente à Nouvelle Vague e mais especialmente ainda a François Truffaut. Estranha homenagem, em que Jean-Pierre Léaud deambula patético como um fantasma de Antoine Doinel (no que o ator de fato se tornou), Jeanne Moreau e Nathalie Baye aparecem rapidamente num sequência sem nexo, e Mathieu Amalric é convocado para uma cena muda de pegação gay. Fanny Ardant e a topmodel Laetitia Casta, pelo menos, têm participações mais consistentes – a primeira como produtora e a segunda como estrela (nua) de uma filmagem do mito de Salomé.      

O truffautiano A Noite Americana é a referência óbvia para o filme-dentro-do-filme, dirigido por Lee Kan-Cheng, muso e eterno ator principal do cineasta. A produção é atribulada pela morte da mãe do diretor, a demência de Antoine (Léaud), ator encarregado de interpretar o Rei Herodes, e o desaparecimento de um veado (sim, um animal) que teria papel importante. Mas não espere continuidade ou uma autêntica metalinguagem. A história do filme, assim como a de Salomé e João Batista, é contada nos intervalos entre o que vemos, como ecos de um outro mundo ao qual não temos alcance. Na verdade, é mais um pano de fundo para os estilemas de TM-L que uma adaptação levada a termo.

Lá estão, por exemplo, os intermezzi musicais que rompem a solenidade da narrativa com músicas e coreografias kitsch. Lá estão as relações incestuosas e as rupturas físicas catastróficas que podem inundar um apartamento (como em O Rio). Os contatos reprimidos, a solidão irremediável, a fuga para os subterrâneos (em vários sentidos), as lágrimas silenciosas (Vive l’Amour), a reaparição dos mortos, a exploração de cenários rugosos e decadentes (bastidores e esgotos do Louvre), as longas tomadas imóveis que “esperam” a circulação de muitos sentidos – tudo isso está presente como fantasmas do cinema de Tsai Ming-Liang. É como se ele quisesse apresentar sua própria desconstrução.

Como em toda a obra de TM-L, Visage se equilibra entre a ruptura e a interdição. E nesse segundo aspecto vale ressaltar a cena em que Fanny Ardant, depois de folhear um livro sobre Truffaut, conversa com Jean-Pierre Léaud sobre um amor impossível entre eles. Considerando que Truffaut era um tanto “pai” de Léaud, temos aí um pequeno psicodrama do incesto em paralelo à relação entre o personagem de Lee Kan-Cheng e sua mãe. Ou, quem sabe, um segredo do espólio da Nouvelle Vague que o taiwanês insinua em seu intrincado jogo de espelhos.

Fanny Ardant e Jean-Pierre Léaud

4 comentários sobre “Fantasmas de Tsai Ming-Liang

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