Yves & Pierre

Passando um dia por uma rua de Paris, Yves Saint-Laurent subitamente mandou parar o carro. “Vi uma coisa maravilhosa”, disse ao companheiro Pierre Bergé. Na verdade, eram duas coisas: na vitrine de uma loja, dois grandes vasos de cerâmica finamente decorados tinham chamado sua atenção. Eles desceram do carro, compraram os vasos e os juntaram a sua já imensa coleção de obras e objetos de arte.

É Pierre quem relembra o episódio, em frente aos tais vasos, numa cena de O Louco Amor de Yves Saint-Laurent. Esse breve momento diz muito sobre o filme e sobre a relação que os dois mantiveram ao longo de 50 anos. Uma relação de amor, cumplicidade, sucesso e atração pela beleza. O filme de Pierre Thoretton se constrói a partir do momento em que, um ano após a morte de Yves (1936-2008), Bergé resolve desfazer-se de grande parte da coleção através do que viria a ser chamado de “o leilão do século”, realizado pela Christie’s no Grand Palais.

Pierre Bergé narra o filme proustianamente, como um fio de lembranças do seu protegé, cerzido na hora em que se desfaz de um patrimônio de recordações materiais. Esse tom de reminiscência apaixonada, mas contida nos limites da elegância, traz o espectador para muito perto do que terá sido a vida maravilhosa e eventualmente depressiva dos donos de um dos maiores impérios da moda.    

L”Amour Fou não é uma biografia de Yves nem de Pierre, mas do casal. Uma espécie de José & Pilar da moda. Yves era o gênio artístico, capaz de retirar inspiração de Mondrian ou da arte marroquina, um workaholic retraído e triste que parecia subir às passarelas empurrado para os aplausos consagradores. Pierre era o empresário da indústria e gerente da vida a dois, seguro de si como um obelisco, jamais disputando a ribalta com o companheiro – até porque tinha a sua própria, na ópera, na política socialista e no ativismo pelos direitos dos gays e contra a Aids. Juntos, eles criaram referências insuperáveis de requinte e glamour, coadjuvados por modelos como Catherine Deneuve, Betty Catroux, Loulou de la Falaise e Laetitia Casta.

O filme tem um trabalho de câmera e de montagem que nem sempre faz jus à beleza do que filma, principalmente os luxuosos “palácios” habitados pelo casal em Paris, Normandia e Marrakech. Ainda assim, costura a história pública e privada de Yves e Pierre com um sabor romântico e nostálgico. A ênfase não recai na fofoca do mundo da moda, mas na nobreza de um estilo de vida marcado pelo bom-gosto.

O ponto de vista fixo em Pierre Bergé deixa lacunas importantes, sem dúvida. Nada é mencionado do bullying que abreviou a passagem de Yves Saint-Laurent pelo serviço militar, ao fim da guerrra da Argélia. A queda do costureiro no inferno do álcool e das drogas tampouco recebe o destaque correpondente aos efeitos que provocou na sua vida e carreira. Em lugar de fatos como esses, temos reflexões cultas do narrador-amante, como essa citação de Oscar Wilde: “O grande artista influi no seu tempo mas não vive nele. Leva uma vida paralela a seu tempo”.  

Para um retrato mais completo de YSL, existe o documentário Yves Saint-Laurent: His Life and Times (2002), de David Teboul. Em L’Amour Fou, como indica o título original, vamos encontrar uma íntima cerimônia do adeus. Com um detalhe: esse adeus não se refere somente a um casal inspirador, mas quem sabe a toda uma constelação do que o século XX chamou de alta costura. Os dois vasos, inclusive. Nesse sentido, é um filme emocionante.

Uma sala do casal, com os vasos ao fundo

Um comentário sobre “Yves & Pierre

  1. Pingback: Meus filmes do ano « …rastros de carmattos

Deixe um comentário